domingo, 31 de março de 2013

Na nossa chegada ao condomínio eu tinha visto um parquinho logo à direita, na entrada. Desci as escadas com meu filho e fomos diretos pra lá. Ele tirou as sandaliazinhas e correu pela areia, feliz, feliz... escorregou, balançou, rodou... escorregou de novo.... balançou... rodou...

Eu fiquei sentada no banco, perdida em meus pensamentos. Como é que alguém põe uma criaturinha tão fofa no mundo e um dia some? Não entendo. Ele parecia que seria um bom pai, parecia. Mas, entre parecer e ser há anos luz de distância. Eu olhava pro meu filho e pensava 'não vou deixá-lo sentir falta de um pai... serei pai e mãe, serei o que preciso for e farei o que preciso for  pra ele não sofrer, não sentir falta de nada'.

Depois de uns trinta minutos brincando, Cadu corrreu pro meu colo, me abraçou e disse: "Que lindo aqui mamãe... posso vir brincar sempre"? "Claro que pode.... aqui agora é nossa casa." Ele sorriu, pegou a garrafinha d´água, bebeu um gole enorme - ele é assim: bebe goles enormes; enquanto eu bebo de golinho em golinho -, pegou a maçã e correu pro balanço. E balançou, balançou, balançou... ou melhor, pediu pra eu balançar, balançar, balançar.

Estava anoitecendo. Nosso primeiro anoitecer na capital. O movimento de pessoas voltando pra casa aumentava. Crianças chegando da escola, papais e mamães chegando do trabalho, do passeio, da praia...

E eu olhava... todos pareciam ter uma vida de tanta paz. Uma vida de tudo certo. tudo no lugar certo. Uma vida de contas pagas, de geladeira cheia, de cama com lençóis perfumados, de mesa posta, de risos ao redor da mesa, em frente à TV. Uma vida de abraços reconfortantes, de sorrisos de estímulos, de incentivo.

E era Cadu e eu. Ele um garotinho... a geladeira vazia, o colchão sem lençóis perfumados, dinheiro apertado, sem TV, sem sorrisos.... não eu não ia deixar de sorrir. Acontecesse o que acontecesse.

Sorri pra Cadu e disse: "Hora do banho, garoto!!"

sexta-feira, 29 de março de 2013

"Estou com fome." A vozinha de meu filho me trouxe à realidade. Peguei sua mãozinha e voltei pra sala com ele. Hahah voltei!? Deis dois passos da cozinha pra sala. O apartamento era pequenininho. Cozinha com área de serviço junto. Na área de seriço, um tanque encardido, descascado, manchado.... mas eu ia dar um jeito nisso. Sou perita em dar um jeito em tudo... é em tudo mesmo, sim. Se não dou um jeito, dou outro.

Um pequeno corredor estreitinho... que imaginei ficaria lindo com fotos coloridas de Cadu nas paredes. À esquerda um quarto... à direita, bem em frente ao quarto, um banheiro (que você já conhece).

Peguei a sacola e as malas na sala e levei tudo pro quarto. Não era tão pequeno. Que bom! Cadu e eu ficaríamos bem instalados aí. Tinha uma cômoda, de aglomerdado, que parecia já ter andado de lá pra cá, pelo menos por quinze anos. Pobrezinha! Ela não tinha culpa da sua feiura. Mas eu ia dar um jeito de deixá-la bonitinha.

O problema seria, talvez, o fato de ter só uma cama (bem, mas isso eu resolveria depois). A cama de aglomerado, que nem é madeira,... é só um amontoado de pó de madeira e cola... parecia que ia se desmontar a qualquer instante. E pó de madeira estava por todo lado. "Cupim?!"... bela companhia, pensei com meus botões.

Sentei devagarinho esperando que a cama se estatelasse no chão. mas isso não aconteceu. O colchão não era dos melhores, mas, pelo menos, não cheirava mal. Não cheirava bem, mas não cheirava mal também. Nadinha que um pouquinho de sol e um ar fresquinho não resolvessem.

Deixei as malas ao lado da cômoda. Tirei da sacola duas maçãs, um pacote de bolachas Traquinas (as preferidas de Cadu) e a nossa garrafinha de água. Pronto! "E lá vamos nós, passear no parque e fazer um lanche bem gostoso", disse sorrindo para meu filhote.

Abri a janela do quarto... pra refrescar, pra ventilar, e saímos, felizes, nós dois.

Continua.....

quinta-feira, 28 de março de 2013

O apartamento era pequeno e frio. Frio no sentido de não ter o aconhego da minha casinha em Terra Roxa. Mas, tudo bem, isso é apenas um detalhe. 'Vou transformar este espaço em um lar pro meu filho, pelo meu filho', pensei.

Larguei as duas malas e a bolsa na sala. E fomos ao banheiro. Sempre que chegamos de algum lugar, ao entrar, vamos diretamente lavar as mãos. Que banheiro pequenininho... e cinza. O meu banheiro era todo branquinho. Adoro branco. Na minha casinha, quase tudo era branquinho. Havia um pouco de cor, bastante de cor quero dizer, mas a cor estava nos detalhes.

'Tudo bem. Um banheirinho cinza que logo, logo, vai ficar colorido com uns tapetinhos coloridos, toalhas coloridas, uma saboneteira colorida e talvez alguns peixinhos coloridos ao lado do espelho'... imaginei. Pronto! Estaria resolvido o problema do cinza e do chão todo descascado.... Há e completaria com uma cortina no chuveiro... uma cortina de peixinhos coloridos também, pra alegrar o meu garotinho.


Depois fomos para a cozinha. Cadu estava com sede. Carlos Eduardo, meu filho, a razão da minha vida agora. Não importava o que eu tivesse de passar, só queria uma vida feliz pro meu amorzinho. Na cozinha, confesso, fiquei um pouco desolada. A minha cozinha era tão branquinha e completinha. Tinha de tudo, muito simples, mas de tudo e tudo bem limpinho.

A do apartamento, bem, não era um primor. Uma bancada encardida de pia. Uma geladeira toda descascada, com partes completamente tomadas pela ferrugem, com a porta torta (eu tinha de fazer um esforço enorme pra encaixá-la) e só... ficamos três meses sem fogão. Hoje eu penso, como consegui passar esses noventa dias sem fazer a sopinha que Cadu adorava e tomava todas as noites antes de dormir lá em Terra Roxa? Mas, passou, sobrevivemos sem sopa. Aprendemos a comer outras coisas antes de dormir... coisas que não precisavam ser cozidas.

Havia dois copos de requeijão vazios sobre a bancada da pia. Abri a torneira, deixei escorrer água durante uns cinco minutos, até ela ficar mais clarinha. Lavei o copo, enchi e dei pro Cadu. Lembro que segurei com força as lágrimas para não escorrerem pelo rosto.

Não, o meu menininho não iria  me ver chorar. Afinal agora estávamos morando em uma ilha. E isso era simplesmente maravilhoso. Nossa vida ia ser maravilhosa.

Continua....

quarta-feira, 27 de março de 2013

Decidi definitivamente que sairia da minha cidadezinha em um dia muito frio. Havia geada branquinha cobrindo o gramado em frente de minha casa. Havia geada cobrindo todos os canteiros de minha horta atrás de casa. Aquilo me deixou triste. Aquela geada que queima tudo, queimou alguma coisa dentro de mim. Lembro que pensei 'nunca mais vou plantar nada'. Era dia 5 de junho.

Também tinha o jardim mais bonito da cidade. Sou técnica agrícola, uma apaixonada pela terra e por tudo o que nela cresce. Além do curso técnico, fiz, depois que saí de lá, faculdade de Agronomia...

Vou trocar as flores pelo asfalto. A casa por um apartamento. A cidade do interior pela capital.

A capital do Paraná é Curitiba. Uma linda cidade, mas fria, muito fria no inverno. E eu não sou fã do frio, gosto mesmo é do calor, do sol forte, da claridade.

Decidi por Florianópolis, pela bela Florianópolis. No dia 5 de setembro às 15:30 horas eu estava entrando no apartamento segurando na mão do meu filho.

Agora era nós dois e a vida...

Continua...
Este texto é dedicado a Robert W. .... quem quer que seja, onde quer que esteja.

Não quero mais ficar sozinha. Está decidido. E, quando decido, decido.

Meu nome é Ana Rosa. Nasci em 1967 e cresci em uma pequena cidade do interior do Paraná - Terra Roxa -, uma cidade que começou a se desenvolver com a plantação de café. Hoje ostenta orgulhosamente o título de Polo Nacional do Vestuário Infantil.

Vivi lá até 1990. Engravidei e casei. Casei porque engravidei. Tinha 16 anos... era uma menina. De família tradicionalmente católica, lembro que foi um escândalo... a gravidez, não o casamento. A separação três anos depois foi outro escândalo. Eu me tornei pária da família, a leviana... com potencialidades, mas que teima em fazer tudo errado.... pária não só da família, da sociedade também.

Terra Roxa se tornou pequena demais pra mim. Eu me sentia sufocar... e pensava no meu filho. Não queria a mesma vida pra ele. Seria sufocado junto comigo. Isso eu não podia deixar acontecer. Nós dois precisávamos de liberdade. Então, por que não mudar de cidade?

Mudar de cidade não é tão fácil. Mas eu decidi que mudaria e, quando decido, decido, nada me segura. Acho que sou a pessoa mais decidida do mundo.

Continua....