sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Meu filhinho ficou doente. Uma virose.... acho.

O corpinho dele queima em febre... deduzo que seja febre pelo seu rostinho quase pegando fogo, suas mãozinhas muito quentes, entre as minhas... deduzo, não tenho um termômetro e não tenho dinheiro pra comprar. E não tenho remédio nenhum pra dar, e não tenho dinheiro pra pagar uma consulta médica, e não tenho um plano de saúde, e não tenho condições de criar meu filho aqui sozinha e sem dinheiro.

Choro, abraço o corpinho dele na tentativa vã de transferir sua febre pra mim... na tentativa de tirar a dor que o aflige, que o maltrata e transferi-la pra mim. O meu corpo suporta... é forte. Mas, tentativas vãs. Ele treme, diz que sente frio... e eu não tenho cobertas suficientes pra aquecê-lo. Abraço-o forte.

Choro e rezo. 'Deus tira a dor, a doença do meu filho, leva essa febre embora'.... peço com a fé de uma criança.

A febre parece aumentar.... o calor só faz aumentar. Eu fico mais assustada porque sei o que significa o aumento da temperatura do corpo.... sei que está sinalizando uma atividade mais intensa do sistema imunológico para combater a ação de vírus ou de bactérias que estão atacando o organismo... o corpinho do meu bebê.


Coloco uma toalha molhada no rostinho dele pra refrescar... faço compressas bem de levinho... poderia fazer um chá. Mas não tenho chá... aqueço um pouco de água e coloco duas colherinhas de açúcar... faço de conta que é chá. Tenho de me convencer de que ele assim vai melhorar.

Ele dorme... o sono é agitado no início, ele suou muito.... troco bem devagarinho o pijaminha dele.

A noite passa, o dia chega e o sol me encontra ainda abraçada com meu filho.... creio que cochilei um pouquinho. Tenho de me convencer de que dormi, de que fiquei tranquila depois de ter rezado e de que tenho fé de que Deus, independentemente de mim, está cuidando do meu filhote. Preciso acreditar nisso... Todo mundo diz que pensamento positivo é indispensável pra coisas darem certo.

E eu sou uma pessoa que pensa positivo... independentemente de tudo... tudo vai dar certo, no fim tudo vai dar certo.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Minha prima, Je, é de uma beleza incrivelmente fantástica. E essa beleza confere a ela poderes que os não tão belos - como eu, por exemplo - não têm.

São perdoados os erros que ela comete, sempre. Lembro-me que desde criança ela tinha um tratamento privilegiado. Era ela e nós - os outros. Se Je queria brincar no parquinho da cidade, e o resto queria ficar brincando no quintal de casa... adivinha!? Íamos todos pro parquinho.

E, acredito que ter suas vontades sempre satisfeitas, tornaram-na no que é hoje: no mínimo, eu diria, difícil de se lidar.

Fiquei magoada com a carta? Não, claro que não... há muito tempo deixei de me magoar por não ser bem tratada por alguém. Acho que ninguém tem obrigação de gostar de mim... de me tratar bem. Aceito o sentimento genuíno das pessoas, e isso pra mim basta. E há os que gostam e os que não gostam de mim. Paciência....

Mas não posso dizer que não fiquei triste. Fiquei sim, tristíssima. Ser a causadora da tristeza de meu pai, mais uma vez... Pensar nele chorando me cortou o coração. A cena me perseguia por onde quer que eu fosse: o pomar lá da casa dele... as árvores balançando ao vento... os raios de sol passando por entre as folhas... o perfume das flores... o barulho do riacho que corre bem no fim do quintal. Tudo maravilhosamente lindo, acompanhando bem de perto a dor de meu pai.

De cortar o coração... mesmo. Mas a vida não é de toda justa. Ela comete erros. Ela atinge pessoas inocentes. Ela é a vida e ela faz o que quer.

Demorei uns diasinhos pra escrever uma carta aos meus pais... e responder a carta de minha prima.

Não queria nenhum tom de tristeza na minha escrita (e precisava ter o dinheiro pra comprar papel, envelope e selos - porque, enfim, tudo custa dinheiro).

sexta-feira, 5 de julho de 2013

A carta....

Prezada prima,

Como vai você? E o Carlos Eduardo? Conseguiu escolinha pra ele?

Aqui estamos todos indo bem, menos o tio. Desde que ele voltou de Floripa não é mais o mesmo tio alegre como eu sempre conheci. Gostaria que você me dissesse o que mais você fez de errado pra deixá-lo tão mal.

Pensei muito antes de escrever, conversei com a mãe, com o pai, com meus irmãos antes de tomar essa decisão. Todos me apoiaram. Todos disseram que eu deveria escrever pra você pra saber o que aconteceu.

Quando ele voltou, ficou três dias em casa, não saiu pra lugar nenhum; no domingo não foi nem pra missa. Todo mundo estranhou... você sabe, ele nunca falta.

No sábado tínhamos feito um churrasco pra comemorar o aniversário do pai... veio toda a família, mas ele não apareceu. A tia deu uma desculpa de que ele estava cansado da viagem.

No começo até acreditamos que ele estivesse cansado  mesmo... uma viagem de ônibus tão longa é muito cansativa mesmo. Mas o problema é que no meio da semana fomos lá na casa dos tios e vimos o quanto ele estava abatido.

A tia contou algumas coisa que ele disse... que ficou arrasado com a tua situação e do Cadu no apartamento, contou que vocês não têm muita comida, não tinham nem fogão e que ele comprou um pra vocês.

Mas disse que o que mais doeu foi ver que você no café da manhã só tinha dois pãezinhos e que deu um pra ele e pro Cadu... e que você ficou sem comer nada.

Eu sei que você fez tanta coisa errada, por isso tem de pagar por tudo. Deus realmente vai pesar a mão dele até você ficar completamente arrependida do que fez. Então, nós aqui de casa achamos que Deus está correto em deixar você passar por privações, por sofrimentos.

Mas o que não concordamos é que o tio tenha de ficar mal por você estar assim. Ele não tem culpa dos teus erros; ele sempre foi um homem muito bom, ajuda todo mundo. Ele não  tem que sofrer por você.

Quem errou foi você e quem tem de arcar com as consequências do erro é só você.

Não sabemos exatamente o que você tem de fazer. Mas, quando o tio for te visitar de novo - se ele for (porque nós achamos que a tia não vai mais deixar ele ir para aí) - pelo menos compre um pouco de comida e não reclame de nada. Diga que está tudo bem.

Procure um emprego que te dê condições de cuidar melhor do teu filho... ele não tem culpa de ter nascido em um lar que se desfez.

Também seria bom você escrever uma carta dizendo que vocês dois estão muito bem; nunca diga que está faltando alguma coisa. Mostre que vocês estão bem.... o tio tem de se convencer de que você está cuidando muito bem do neto dele, que não está deixando faltar nada pro Cadu.

Um abraço de todos nós da família,

Je

PS: a tia contou pra mãe que viu o tio chorando escondido. estou te contando isso pra você saber que é mesmo bem a greve a situação dele.

domingo, 16 de junho de 2013

Fiquei encolhida durante todo o tempo necessário. Não, não todo o tempo... acho que nem todo o tempo do mundo levaria pra longe a dor no meu coração. Fiquei encolhida o tempo que tinha para ficar encolhida.

Meu filho precisava de mim... tinha de comer, então eu não tinha tempo pra sofrer.

Levantei... automaticamente preparei algo para Cadu... e depois fomos para o apartamento das garotinhas que eu cuidava. A mãe delas me esperava como sempre: ao meio-dia.

Quando cheguei ela me disse que precisava conversar comigo quando voltasse... e eu esperei. Sabe aqueles sentimentos que vêm como uma negra nuvem a tomam conta de você? Pois é... foi assim que passei a tarde. Claro, tentei manter o controle... o pensamento positivo, mas estava difícil. Li nos olhos dela que ia me dizer algo que não seria bom.

E, realmente... às 19 horas ela chegou e disse: daqui a um mês estamos indo para a Inglaterra... meu marido vai terminar o doutorado lá e, acredito, não voltamos mais para o Brasil.

Pronto! Sem meu pai, sem meu trabalho... tudo no mesmo dia.

Não que eu não tenha ficado feliz por ela... claro... era uma mudança e tanto... morar no primeiro mundo... ficar perto de onde tudo é história... fiquei feliz por ela, sim. Mas fiquei preocupada... pois parecia que meus sonhos estavam se afastando um pouquinho mais de mim.

Até quando tenho de pagar pelos meus erros. Já pedi perdão a Deus um milhão de vezes. Definitivamente acho que Deus não está preocupado em perdoar... se você errou e errou feio... vai passar sua vida pagando pelo erro. Não importa quantas vezes pedir perdão... seu pedido não vai nem ultrapassar o teto de sua casa.

Deus, você pode esquecer quem eu fui? Você consegue ver apenas quem sou agora? Importa apenas quem eu sou... quem eu fui já passou, não importa mais, aquela não existe mais.

Bom,  acabei me forçando a um autoconvencimento: não há sofrimento que não possa ser superado.

Dez dias depois da partida de papai, recebi uma carta de minha prima, Jéssica.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Quando fechei a porta depois de acompanhar com os olhos meu pai descendo as escadas, senti um tremendo nó na garganta. Queria chorar e chorar, mas sabia que não podia - não queria que Cadu percebesse o quão triste eu estava, o quão solitária me sentia.

É bem verdade que cheguei só com meu filho em Florianópolis, mas não tinha dimensionado o tamanho da solidão que me acompanhava. Estava ocupada demais em organizar a vida de forma que conseguíssemos - ele e eu - nos adaptar à nova situação.

Depois da visita de meu pai - organizando o que estava desorganizado no apartamento, comprando o que faltava, suprindo nossa geladeira - percebi que estava, sem meu pai aqui, sem estrado para meus pés. Eu estava definitivamente só.

Mesmo o apoio emocional - meu pai não disse uma palavra de carinho, não perguntou se eu estava feliz com a escolha que havia feito -, não, ele não fez nada disso... mas eu me senti abraçada, cuidada. Enquanto meu pai estava aqui, eu senti que alguém se importava comigo.

Você já se sentiu só? Já sentiu, mesmo em meio a uma multidão, uma tremenda solidão? Acompanhad@... mas só? Sentiu aquela sensação ruim de não poder contar com ninguém, de estar sozinh@ no mundo? Sentiu culpa por estar só? Já se perguntou: por que não há ninguém que queira ficar perto de você? Sentiu-se culpad@ da própria solidão?

Eu só pensava: por que o castigo é tão grande? Por que a pena que me é afligida ocupa tanto espaço da minha vida? Por que tamanha intensidade de dor?

Deitei no beliche, abracei meu filho e deixei o tempo passar... só sabia que estava só, que meu filho dependia de mim para não se sentir só e que eu não podia sequer chorar.


domingo, 9 de junho de 2013

Meu relacionamento com meu pai: frio, distante. Não que ele não me amasse, mas ele nunca disse isso claramente. Havia uma ligação forte entre nós, eu sentia isso. Mas nunca, nunca sentimento nenhum foi expressado.

Nunca, não... apenas uma vez - fiz algo de que me envergonho de contar, portanto não vou escrever aqui -, ele chorou quando me ouviu dizer, entre lágrimas: 'não quero voltar pra casa'.

Foi a única vez na minha vida que o vi chorar. Isso é coisa de criação mesmo... em algumas famílias, expressar seus sentimentos é algo fácil, natural. Na minha nunca teve disso.

Só os erros dos filhos eram apontados, gritados, batidos... só. O resto parecia que não existia.

Abraço e beijo meu filho um milhão de vezes por dia... quero que ele leve pra sempre no coração, na mente, nos bolsos a certeza do meu grande amor por ele. Cadu sabe e vai saber pra sempre que, onde quer que ele esteja, aconteça o que acontecer... ele pode voltar pro meu abraço.

Filho é pra gente abraçar... soltar pro mundo... que eu sei que os filhos não são propriedade nossa... mas, filho tem de saber que pode voltar, pode contar com o aconchego do seu primeiro lar... ele tem de saber: never alone...

Era terça-feira... 8 horas, a campainha tocou. Pensei que fosse meu anjo da guarda que mora ao lado. Atendi sem nem mesmo olhar no olho mágico.

Abri a porta e parado com uma malinha na mão: meu pai.

Eu só o abracei... lembro-me bem disso... as outras lembrança que tenho dos cinco dias que ele ficou em nosso apartamento são: o momento em que o apresentei pro meu anjo da guarda, nossa ida ao supermercado e voltando cheios de sacolas de compras, o momento em que ele preencheu cinco cheques pré-datados de R$ 200, 00 (+ ou - o equivalente hoje) e disse que era para eu usar um por um nos seguintes cinco meses pra comprar comida pra mim e Cadu.... e ele descendo as escadas no momento de sua volta pra Terra Roxa.... suas costas curvadas, carregando a malinha desbotada, surrada, toda desengonçada de tanto ser jogada de lá pra cá durante toda a vida dele (era a malinha que havia ganhado de vovô quando fez 16 anos e foi para o seminário - meu pai ia, veja bem, eu disse ia, ser padre).

O que ficou depois que papai partiu: uma solidão mais imensa que já senti; um beliche com dois colchões fofinho, novinhos, limpinhos; um fogão novinho em folha; uma geladeira cheinha, cheinha de comida, sucos, bobs esponjas; um armário repleto de biscoitos, latas de leite em pó, leite condensado, caixas de sucrilhos; todas as tomadas funcionando bem certinho, lâmpadas em todos os cômodos do apartamento e uma bicicleta e uma bola pro meu pequeninho.

O que faltou quando papai partiu: meu chão....

Uma semana depois que ele partiu recebi uma carta de minha prima Carla.

Se a maldade pode ser materializada em forma de gente, ela se materializaria em forma de minha prima.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Cristine e Ana Luiza foram as duas primeiras crianças de que tomei conta. Duas meninas loirinhas, loirinhas, com cabelos muito lisos, compridos - em que eu fazia lindas trancinhas enfeitadas com pregadores de borboleta de todas as cores, rabo de cavalo, Maria Chiquinha. Cristine tinha 4 anos e Aninha 1 e meio.

O condomínio em que eu morava tinha quatro blocos. Eu morava no A, e elas no C. Marisa, a mãe das meninas, trabalhava em um banco das 12 às 18 horas; de manhã, ela existia só para as filhas... e a tarde era comigo que elas passavam Trabalhei com elas durante cinco meses; não ganhava muito - não lembro exatamente quanto, mas seria, acho, o equivalente de meio salário mínimo.

Mas havia vários convenientes de eu ser babá - que o dinheiro não paga: meu filho podia ficar comigo - o mais importante de tudo; meu filho tinha duas amiguinhas pra brincar; não precisava sair do condomínio - confesso que me perdia facilmente na cidade; não gastava nem com lanche, nem com jantar (aqui sim há dinheiro envolvido) - autorizada por Marisa, podia dar ao meu filho exatamente o que eu dava para as pequerruchas.

De segunda à sexta, ele comia muito bem. Nos sábados ou domingos, muitas vezes, fomos convidados a passar o dia na casa da praia do meu anjo da guarda na Barra da Lagoa... nem preciso dizer o quanto meu bebê se divertia.

E os primeiros meses para nós dois  foram assim: eu cuidando das meninas, junto com meu filho, alguns passeios na Barra... e nos acostumando com um ritmo bem diferente da nossa cidadezinha.... tudo muito calmo, muito normal.

Nesse meio tempo, meu pai veio nos visitar.